quarta-feira, 22 de junho de 2011

 O EX-ESTRANHO, o poeta curado da tarefa de viver..

Biblioteca da Fafi e obras Leminskianas eram quase antônimas. Mas hoje passeando entre os livros descobri que novos olhos vão radiar e sorrisos lascivos se mostrar diante as novas obras do ex-estranho Paulo Leminski.  Apenas mais dois exemplares adquiridos, mas que merecem olhos, ouvidos e todos os sentidos. Envie meu dicionário (critica) e O ex-estranho (poesia). Não me contive em não postar algumas dessas poesias “inéditas”.



INVERNÁCULO
         (3)

    Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
    Quando o sentido caminha,
a palavra permanece.
    Quem sabe mal digo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
   Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
  Esta não é a minha língua.
A língua que eu falo trava
    uma canção longínqua,
A voz, além, nem palavra.
   O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
   eis da fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.
misto de tédio e mistério
meio dia/ meio termo
     incerto ver nesse inverno
medo que a noite tem
     que o dia acorde mas cedo
e seja eterno o amanhecer
  a uma carta pluma
só se responde
    com alguma resposta nenhuma
algo assim como se a onda
    não acabasse em espuma
assim algo como se amar
     fosse mais do que bruma

    uma coisa assim complexa
como se um dia de chuva
    fosse uma sombrinha aberta
como se, ai, como se
    de quantos como se
se faz essa história


    que se chama eu e você

DIONISIO ARES AFRODITE

aos deuses mais cruéis
juventude eterna
Eles nos dão de beber
na mesma taça
o vinho, o sangue e o esperma

    desastre de uma ideia
só o durante dura
    aquilo que o dia adiante adia

   estranhas formas assume a vida
quando eu como tudo que me convida
  e coisa alguma me sacia

   formas estranhas assume a fome
quando o dia é desordem
    e meu sonho dorme

    fome da china     fome da índia
fome que ainda não tomou cor
    essa fúria que quer
                                     seja lá o que flor
azuis como os sorrisos das crianças
e pesado como os provérbios da velhas
    anos cultivei a ideia do poema,
coisa inteira, ovo, ânsia e antena,
    meus poemas são ideias
ontem, coisa inteira, hoje, apenas manchas

CAMPO DE SUCATAS
    saudade do futuro que não houve
aquele que ia ser nobre e pobre
    como é que tudo aquilo pôde
virar esse presente podre
    e esse desespero em lata?

   pôde sim pôde como pode
tudo aquilo que a gente sempre deixou poder
  tanta surpresa pressentida
morrer presa na garganta ferida
   raciocínio que acabou em reza
festa que hoje a gente enterra

   pode sim pode sempre como toda coisa nossa
que a gente apenas deixa poder que possa


ah se pelo menos
eu te amasse menos
tudo era mais fácil
os dias mais amenos
folhas de dentro da alface

mas não
tinha que ser entre nós
esse fogo
esse ferro
essa pedreira
extremos
chamando extremos na distância


    O que o amanhã não sabe,
o ontem não soube.
    Nada que não seja o hoje
jamais houve.

nunca sei ao certo
se sou um menino de dúvidas
    ou um homem de fé

    certezas o vento leva
só dúvidas continuam de pé

Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feio tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui 


Poesias do livro “O ex-estranho”  publicado em 2008 pela editora Iluminuras da Coleção Catatau.

domingo, 19 de junho de 2011

ENTRE OS DRIBLES DO FUTEBOL, AMOR E ARTE



Raça, dedicação e uma paixão incondicional: futebol.  Sentimento que rege o corpo e a alma de muitos brasileiros, aliás, movimento que caracteriza e molda a identidade de “ser brasileiro” aqui e principalmente fora do Brasil. Sempre há alguém na família que torce por um time, ou que conhece alguém no trabalho, escola, faculdade que carrega uma bandeira, não há alguém que não se comova e torça diante a TV, rádio em uma final da Copa do Mundo. É evidente, não tem como negar somos brasileiros, somos um pouquinho de futebol. Entretanto, até que ponto esse “amor” pode ser saudável? 


Como toda relação que nos envolva absolutamente é difícil, a relação com o futebol não vai ser diferente. Ainda mais quando envolve uma pluralidade distinta de amantes e de “times amados”.  Cada vez mais vem tornando-se notável o aumento de confusões e atos de violência em meios a essa relação de amor-arte-futebol. Os estádios vêm sendo tomados não apenas por torcedores, estão lá presentes e em peso a cavalaria militar, camburões e soldados, preenchendo um cenário que deveria ser de lazer e não de guerra.

É lastimável, e mais ainda quando não precisamos ir muito longe para perceber e avaliar isso.  Na nossa cidade e principalmente se formos a capital de nosso estado Curitiba, já podemos perceber o quão grande é esse problema. A violência tomou um patamar mais elevado. Ela encontra-se não apenas entre a rivalidade das torcidas organizadas no estágio, como também, nos meios públicos. Temos medo de ir ao estágio em um clássico, é perigoso pegar um ônibus, circular entre os terminais em horários pré e pós jogos. Não é seguro circularmos sozinho com a camiseta de nosso time. 


Falar de violência não é nada fácil, é penoso e pesado, embora não podemos banalizar este feito de tamanha preocupação. Usar de um meio de lazer, prazer como veículo de marginalização que põem em risco a segurança pública, agride os bens comuns a todos e ridiculariza a imagem da cidade não se deve deixar de lado.   
A muito o futebol já foi pensado como arte, como meio de extravasar nossa mente, de transformar pessoas, de esboçar exemplos de vida, de sonhos que servem de espelho à população. Infelizmente, como demonstra os noticiários e a história o ato de excitação e prazer do jogo vai muito além de carregar o time no peito e voz. Vários são as possíveis explicações a esse fato: a mídia, os governantes, os diretores dos clubes, da torcida, e principalmente o nosso meio.


 Vivenciamos em uma sociedade que ainda nos priva e reprime de vastas emoções, onde apreendemos a deixar de pensar coletivamente. E é através da torcida que temos a possibilidade de demonstrar a nossa identidade e começamos a manifestar e agir de maneira que não faria isoladamente, colocando para fora todo sentimento de impotência e frustração pessoal, que diluíssem no coletivo das arquibancadas. Ocasionando brigas não somente entre times rivais, mas dentro da própria torcida, do próprio time.  Um exemplo, poder-se-ia a manifestação de revolta dos torcedores do Coritiba Futebol Clube em 2009 que após a derrota e queda para a 2ª divisão entram em campo destroem e atacam a própria entidade “amada”. Discussões e brigas até mesmo entre as torcidas organizadas do mesmo time, como a que ocorreu entre Ultras e Fanáticos, torcidas do Clube Atlético Paranaense, em um bar. Emboscadas com trocas de bombas, foguetes e pancadaria em terminais. Infelizmente exemplos não faltam. Quem são esses “torcedores” que causam danos, medo e violência? È realmente pelo amor ao time que encandeciam tanto caos? Merecem mesmo o titulo de torcedor? NÃO! Esses são pessoas individualizadas, do ponto de vista da formação de uma consciência social e coletiva, de uma consciência esportiva e afetiva. Apropriam-se de um ato coletivo para promover o caos e a marginalização.
O verdadeiro torcedor não elabora armas e planos de violência para torcer, não estraga e impõe sua força em outros meios, sua força está no seu estágio, no seu templo, na multiplicidade das arquibancadas. Essas com torcedores miscigenados, homens, mulheres, jovens, crianças, pobres, ricos, amarelos, pretos, brancos, que demonstram sua arte, cantam, pintam, choram e riem junto ao time. Acompanham- o faça chuva, faça sol, seja no rádio, TV, estádio. Festejam os gols, choram nas derrotas. Perdem-se e encontram-se a cada partida.  Fazem do coletivo um só, amor-arte-futebol!
                                                                                                                                                                     Jaque N.



Texto elaborado na aula de língua portuguesa III da professora Bernadete Ryba, sobre o tema: A violência das torcidas de times de futebol.


segunda-feira, 13 de junho de 2011

OLHOS ESFUMAÇADOS E DE LENTES:
 UM OLHAR TRANSBARROCO SOBRE O CATATAU DE PAULO LEMINSKI

 “Pensamento é espelho diante do deserto de vidro da Extensão. Esta lente me veda vendo, me vela, me desvenda, me venda, me revela. Ver é uma fábula, — é para não ver que estou vendo. Agora estou vendo onde fui parar. Eu vejo longe.”
“Ver tudo é bom? É ver? Ver, é fazer alguma coisa: ver tudo é coisíssima alguma.”
Paulo Leminski, em Catatau.

               Um desejo, todos os receios e um pequeno ato. É assim que começo talvez minha insensatez: entre Catatau–Barroco, Leminski–Transbarroco. Incumbida por uma vontade crédula iniciei a leitura deste “labirinto de enganos deleitáveis”. Ao papel aponto a minha luneta esfumaçada.
Desde o inicio da leitura do romance-ideia de Paulo Leminski, já me encontrei absorta, não simplesmente por ser escritos Leminskianos e eu apresentar certo encanto, e sim pela notável elaboração do jogo e sedução das palavras, sentimentos, pensamentos, incertezas, novidade, todos liquidificados em uma só hipnose. Dando mérito a esse escritor curitibano que se entregou de corpo e alma na elaboração do Catatau, tornando-o sua ideia de vida, sua própria vida. Catatau teve origem num relance de ideias de Paulo Leminski em uma aula de história sobre as Invasões Holandesas no nordeste brasileiro, onde tinha-se a presença de cientistas, cartógrafos nas tropas aqui estabelecidas. Foi então, de súbito em 1966 que o escritor lembrou-se de René Descartes e imaginou como seria se esse francês, que representava o pensamento cartesiano e analítico ocidental, estivesse aqui sob ares tropicais? Parou a aula e anotou sua ideia. A transformou primeiramente em um conto “Descartes com lentes”, e com o engano entre os ganhadores do I Concurso de conto do Paraná ganhou forma de romance-ideia, uma mistura de prosa-poesia, que tomaram quase dez anos de dedicação do escritor, foi publicado em 1975.
Catatau, estruturado em um único parágrafo busca contar como seria esse feito. Renatus Cartesius filósofo encontra-se na selva brasileira, carregando uma luneta (símbolo cientifico, racional) e um cachimbo de ervas (símbolo da alucinação tropical) assustado e incomodado com a nova “realidade” que se encontra, com o seu “ser” que cria-se. Espera o seu guia, um nobre polonês Krzysztof Arciszewski, que demora vir, assim como os esclarecimentos e explicações que também espera. Nada acontece, e desse modo inerte é que a linguagem acelera, avança e acontece. Catatau é uma obra que transcendesse o valor e sentimento sobre a linguagem. Essa que mundifica e cria o homem.                                                                                                                             
Tom presente desde o início da literatura brasileira, com destaque na escola estilística Barroca, que definiu não só um estilo de arte como o complexo cultural. Sem se ater a dados históricos e resumos de leituras ou obra (porque nem possível isso seria), vou comentar a respeito dessa escola e sua transposição na contemporaneidade.
Tomado pela confusão e o sentimento do novo (língua, clima, culinária, costumes, geografia, medos, amores, alegrias, angustias) o colono viu-se dividido entre sua origem civilizadora e o complexo cultural que se encontrava aqui no Brasil. Eis que renasce um novo homem miscigenado linguisticamente e culturalmente, com uma “nova” concepção de vida, um olhar profundo sobre a realidade que o cerca.   Entremeado por essa incógnita pontiaguda e sentimento de contra-conquista mostrou-se necessário revelar, reafirmar e verbalizar o seu “ser”. Sejam nas notas tocadas, quadros, construções, os sopros da voz cantada, ou no corte da tinta sob o papel. 
Todo esse contexto incrivelmente vem se repetindo, o homem cada vez mais se depara com o novo e com a incógnita de reafirmar o seu ser. Evidenciamos isso nos anos 60 e seus subsequentes aqui no Brasil, onde o espírito de vanguarda e tropicalismo toma-se presente. Marca, movimenta e reafirma o novo sentir, expressar e imaginar através das artes, música, pintura e principalmente na literatura. È imergido nesses ares que surge Paulo Leminski e o seu Catatau. E assim desde o seu contexto que essa obra apresenta vestígios barrocos. Catatau é um delírio experimental, conduzido por Renatus Cartesius, Occam e sua visão do paradisíaco tropical do séc. XVII no Brasil.
             Haroldo de Campos busca nomear esse movimento artístico que revisita o barroco do séc. XVII como “transbarroco”. Um modo de se pensar não apenas na resistência e retomada de traços barrocos, mas no seu valor recreativo, sincrônico e transcendental. Entre as palavras e as coisas, entre duvida e apego, entre o falar e a incapacidade, a falência de dizer, é entre o texto e a vida que o Catatau se mundifica na linguagem, cria-se a si próprio, cria-se o próprio homem, o próprio Cartesius.
             Emaranhado ao excesso da linguagem, do olhar e sentir, da instabilidade de ser, o monstro do pensar, a metamorfose e o labirinto da busca de Cartesius, que movimenta todo o Catatau, o estar perdido, a espera de explicação e não a querer desvendá-la. Aspectos de ressalta transbarroca.
A contemplação do desvario inicia-se já com a tropicalização do nome do filósofo René Descartes e a suposta ideia de sua estada no Brasil no séc. XVII, um filósofo europeu com seus pensamentos cartesianos, emergido em um caloroso mar de sensações tropicais/dionisíacas. O duelo entre os opostos evidencia-se desde a caracterização do personagem e em todo o decorrer da leitura.  É o duelo entre a o pensamento cartesiano europeu e o alucinógeno tropical, entre a presença de pensamentos e ausência de entendimento, entre a espera de compreensão do personagem e do leitor, entre o olhar e o pensamento, entre a linguagem popular e a filosofia, duelo linguístico, polissêmico, signico e sensorial.
Perdida a tanta disputa de alucinação que nem sei para onde apontar o meu primeiro olhar, minha imaginação. Talvez esse seja o meu começo, como o de Cartesius que olha alucinação que o cerca. Olhar o Catatau dentro das coisas e não fora delas. E essa questão de olhar destaca-se de maneira ilustre em todo o romance-ideia.   Como se os olhos fossem meio de potencialização e percepção de uma nova criação, de uma nova construção do real. Onde o olhar é a própria epigrafe, os olhos são as palavras que fragmentam, transformam e suspeitam a realidade. Tida Carvalho destaca em “O Catatau de Paulo Leminski – (des)coordenadas cartesianas”:

Aqui o visível se põe a ver e se vê vendo. Parece que, numa inversão irônica, de tanto ver, de tanto olhar e mirar-se, o excesso de reflexão e racionalidade resulta em desvario. Há como que uma promiscuidade entre o visível e o que olha (e o que se sente olha(n)do). O sujeito do olhar é também o objeto do visto. O que contempla é absorvido pelo que contempla, e nesse ato de contemplação abismal, vê-se o próprio reflexo que se multiplica numa cortina de cores e formas variadas.

É assim esse sujeito do Catatau, é assim Cartesius. Esse que tinha olhos de pólvora, olhos carnívoros e de carne, olhos vidrados e de lentes, olhos esfumaçados e expansivos, olhos cadenciados e vazios, olhos de narciso e de vedação. Cartesius, olhos de surpresa e fracasso, olhos de perturbação do pensar, do ser branco e europeu.  Cartesius seus olhos são pontiagudos! Tão enigmáticos: são barrocodélicos, como tratou Haroldo de Campos em um ensaio sobre o livro de Leminski.
Pudera e estava Renatus Cartesius aqui tropicalmente perdido com as mãos carregadas, numa sua luneta e noutra um cachimbo de ervas. Parecia pouca coisa, mas tornaram-se tantas, exaltavam o peso das mãos. Mãos pesadas que carregavam ambição, medo, confusão, e também leves, vazias, onde foram o peso de seus pensamentos?
Cegaram-se, morreram de sede e fome, miscigenou junto ao calor e cheiros, cores das aves e animais de figura monstruosa, assim como todo esse sentir monstruosamente além de existir.  É você não é mais o mesmo! Por que ainda o esperas? E se Artyczewski chegar e não o reconhecer mais? Nem você se reconhece mais.  Tens razão, Este mundo é o lugar do desvario, a justa razão aqui delira”, esse mundo parece as avessas, desequilibrado, ilusório. Faltam-se as lentes supra sumo do pensamento, da razão.  Occam aproxima-se traz medo, esperança, duela ideias, línguas, acelera o sentir, diminui o pensar ou seria o oposto? Aí Renatus! Você está tomado pelo oposto, está em várias formas, em vários caos. Segundo as palavras do próprio autor: “Occam ocultus, Occam vultus, Occam, o bruxo. Occam torceu a sinalização. Occam disfarçou as peripécias. Aonde vai com tanta pressa? Vou a toda Pérsia, vai depressa. Occam vê o óbvio. Deixa o óbvio ali. Pensa uma oração e o óbvio desaparece. Occam não pensa nada, se nadifica e falta.”
Entre o caos e o nada devaneia e persiste na falência do ser. Ainda dá para ver entre lentes e bem-te-vis? “Há coisas que não são para ver. A ver, veiamos” Não tenha medo de chegar mais perto, de arruinar o olho, de ser aquilo que inteiramente o vem a ser.  Um corpo é muito osso para um olho que quer crescer sem mãos para o confundir. Tem que ver como tem que ser, intervalos de ilusão de ótica para as evidências certas”. Tens que arruinar o olho com a demora do olhar, com a inquietação de deixá-lo levar-se a provocação e ao monstro. Tornar-se isca do próprio olhar, do próprio objeto de visão.
É homem nutrido de letras de olhos noturno e diurno, que tropeçou em vírgulas, perdeu-se nas reticencias, prendeu-se em parênteses, enfrentou as interrogações, encaleceu as mãos de páginas. Tome-se por esse empirismo radical. Agora são elas que te engolem, tecem freneticamente a cor do papel, do seu papel! Ganham combustível, fogem da sua gramática, do seu léxico, trabalham polissêmicas, ambíguas e inovadoras. Embaraçam-se entre o português, latim, polonês, holandês e dão o nó na linguagem popular. Torna o olho mais denso, maior, longe da maquina-bicho, aproximasse de o ser inteiro. Inteiro desse chão, vasto e seu.  “Fui eu que fiz esse mato: saiam dele, pontes, fontes e melhoramentos, périplos bugres e povoados batavos. Eu expendo Pensamentos e eu extendo a Extensão! Pretendo a Extensão pura, sem a escória de vossos corações, sem o mênstruo desses monstros, sem as fezes dessas rezes, sem a besteira dessas teses, sem as bostas dessas bestas. Abaixo as metamorfoses desses bichos,— camaleões roubando a cor da pedra! Polvos no seco: no ovo quem deu antes no outro, uma asa na linha do galho ou um pulo em busca de agasalho? Não sabem o que fazer de si, insetos pegam a forma da folha; mimeses.”
           Olho o olhar de Renatus Cartesius e como não se deixar tomar pela linguagem, pela embriaguez textual e sensorial? Como não sentir a autonomia das palavras, o som do martelo as pregando com vivacidade e cor em um papel branco e hostil? Elas criam-se, ditam suas próprias regras, miscigenam o papel, cor, línguas, neologismo, filosofia, ditados populares, concretismo e tropicália. “Pela ou na rama, voce* mettalica longisonans, a araponga malha ferro frio, bentevi no mal-me-quer-bem-me-quer. A dois lances de pedra daqui, volta e meia, dois giros; meia volta, vultos a três por dois. De onde em onde, vão e vêm; de quando em vez, vêem o que tem. Perante o segundo elemento, a manada anda e desanda, papa e bebe, mama e baba. Depois da laguna, enchem a anterior lacuna. Anta, nunca a vi tão gorda”. Leminski em seu Catatau trabalha com a linguagem de forma poética, ritmada que nos insinua a ler em voz alta, como uma ciranda frenética de palavras, vozes e pensamentos.
 É esse olhar na linguagem como objeto mais importante que a própria natureza, a própria realidade é que transcende, perpassa, resiste e persiste na literatura do Catatau de Leminski. Criando-se uma leminskíada barrocodélica, como Haroldo de Campos bem nos disse. Talvez não seja nem isso, nem aquilo, talvez devesse deixar dizer, virando-se entre a linguagem, sem mapas, em olhares. 
                                                                                                                                                                               Jaque N.



Ensaio apresentado dia 09 de junho de 2011 na  IX Jornada de Estudos Linguísticos e Literários do Vale do Iguaçu- JELLVI Interessados em Paulo Leminski: http://www.elsonfroes.com.br/kamiquase/nindex.htm esse site é ótimooo!!
                                  A pesca
                                                                                       Affonso Romano de Sant'Anna
                                                                                          O anil
                                                                                          o anzol
                                                                                           o azul

                                                                                            o silêncio
                                                                                            o tempo
                                                                                             o peixe

                                                                                             a agulha
                                                                                              vertical
                                                                                              mergulha

                                                                                               a água
                                                                                               a linha
                                                                                               a espuma

                                                                                               o tempo
                                                                                                o peixe
                                                                                                o silêncio

                                                                                                a garganta
                                                                                                a âncora
                                                                                                o peixe

                                                                                                a boca
                                                                                                o arranco
                                                                                                o rasgão

                                                                                                aberta a água
                                                                                               aberta a chaga
                                                                                               aberto o anzol

                                                                                                aquelíneo
                                                                                                agil-claro
                                                                                                estabanado

                                                                                                o peixe
                                                                                                a areia
                                                                                                o sol







A Pesca
Era uma daquelas tardes estressantes, embriagada pelos caos.
Caos visual, sonoro, ambulante, todos eles trabalhando em conjunto, típico de uma metrópole. Naquelas tardes onde o silêncio e a paz valem uma fortuna. E num relance, um olhar sobre o congestionamento - esse que parecia uma anaconda gigante - vi a imensidão azul em cima de mim, tão graciosa e serena. Fez lembrar-me das viagens do dia de pesca com meu pai, que fazia quando era pequeno.
Aquelas tardes que não se tinha nada além da vastidão do céu anil e meu anzol. O silêncio e o tempo só para mim.. nada de zuídos. Só eu e minha vara de pesca a espera da minha glória, minha caça! Sem pressa minha isca mergulha, perfura as águas profundas, faz espuma, e vai ao encontro da minha tranquilidade, meu assossego, meu peixe.
Agora a natureza por si só e no seu tempo se encarrega de me encontrar no silêncio de minha pesca. Será agora ela que me fisga e me engana? Será ela que me enlaça? Prende minha boca, amarra minha garganta e arranca o meu silêncio? Será ela que aliena minha chaga metropolitana? Vem penetrante, aquilina agir na mente deste estabanado homem-contemporâneo. Vem fazer de mim teu peixe, tua areia e teu sol.
Biiiiiii-biiiiii foun- foun! Está dormindo!!!!
Eis que a minha “real” natureza me acorda e me enlaça mais uma vez. 
                                                                                                                                       Jaque N. 

Brincando de transformar gêneros na aula de Língua Portuguesa ano passado.